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quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Memórias

Eu ainda me lembrava
do seu gosto,
mas um dia tomei água
em um copo velho de plástico
daqueles
decorados
pelo tempo
com uns arranhados brancos.
Olhei bem
para aquelas marcas
no fundo
e senti todos os erros

[na garganta]

passava
aquela água turva
contrariando
a lição que decorei na escola
ela tinha cheiro
sabor
a cor vermelha do copo
contaminado
pela febre
do presente.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Disfarces

O papel onde escrevo este poema
está manchado
de gordura da borda da mesa,
são pequenas bolinhas
que o deixam transparente
e denunciam o pão
das tardes passadas .
Faço uma mancha de lápis
para disfarçar a manteiga
que escorreu rápida
antes dos meus dedos ágeis
passarem pela minha boca
ou pela sua
que sabe sempre
que não conseguirei esconder
todas as marcas.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Em meu sonho
eu recitava o Poema de Sete Faces
para alguém
e aquilo era especial
porque entre a gente
tinha uma ligação
que ultrapassa
o que se sabe
de cor
eu falava
emocionada
e pulava
os trechos esquecidos
sem parar
porque o que a gente sentia
juntava tudo
como aquela história
do vaso chinês
colado com nossa saliva
as palavras
que eu te dizia
eram as que restavam
e não havia
problema
entre os nossos olhares
...
as conexões
são os melhores poemas
desta vez
não conseguia falar tudo
mas você
no fundo sabia
que eu uma vez
já falei
o Operário em Construção
mentalmente
todinho
sem perder
uma
palavra
da sua língua.

domingo, 17 de setembro de 2017

Entrou na quitanda
e fez as compras
na saída
sem mais clientes
o dono foi tomar um ar na calçada
ela não podia olhar para trás
enquanto andava
o nó da calcinha
com elástico frouxo
se desfez
e a cada passo
curtinho
a calcinha
amarela
se mostrava
um pouco mais
o shorts não podia ajudar muito
[a esquina tão distante]
e a escassez
se exibindo

entre suas pernas.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Rumo

Penso em literatura
e me lembro dos cachorros:
eles gostam de rolar na carniça
saem para passear
e quando encontram
o que realmente procuram
como um acesso de loucura
se entregam
se ungem
se esfregam
[um lobo]
e de repente voltam
satisfeitos
com aquele cheiro
que pronuncia seu instinto.
Dizem que é uma proteção
vinda dos antepassados
[os lobos]
pois o cheiro da morte
afasta os predadores.
Meu amor pela literatura
só me traz
a ideia do cachorro
que rola na carniça
obsessão
procura
proteção
um lobo
[os lobos]
à espreita
algo que te defende
da vida.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Tem horas
que já não dá para esconder
os mapas
indicando as tremuras
na casa
e no corpo
há rachaduras demais
nas paredes
e nos pés.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Refúgio

Depois que passa um tempo   
você já não se lembra mais
só leva os dias com o sentimento
e as histórias que ficaram em sua mente 
ja foram todas reinventadas.
Alguns dias fogem  
como uma criança correndo nos trilhos,
mas em outros você se lembra dos santos 
que ainda vivem em caixas de vidro
e quando chove pode enxergar na pequena prisão 
a imagem antiga e embaçada 
sua própria vida enfeitada 
com aquelas flores de plástico
que sufocam qualquer pensamento. 

domingo, 30 de julho de 2017

Só pode sentir mesmo
quem já escorregou e caiu na lama 
ou já abriu um guarda-chuva
e de lá saiu
um filhote de escorpião
quem já tremeu com o perigo das águas
em dias de tormenta
e percebeu a ameaça das pedras
por todos os lados
e o inesperado
sempre na porta
que destranca com um sopro
ou talvez até um pensamento mais forte.

Mudança

Aquele olhar da pintura
tinha mais de trezentos anos
e você nunca percebeu
que eu fiquei ali parada
por muito tempo
em frente àquela mirada
e se não fosse tanta distração
com amenidades
teria visto
que o meu olhar
depois
nunca foi o mesmo
ele era a soma
daqueles trezentos anos
e todos os meus esquecimentos.

sábado, 29 de julho de 2017

Nesta viagem sem fim carrego várias malas, alguns livros com poemas e uma senhora carrega uma lata de ovos que vieram da Bahia e trinta caixas, aqueles ovos também são poemas que chacoalham pela estrada e não quebram; chegam todos inteiros a São Paulo, os poemas que trago na memória estão despedaçados e o rapaz que viaja ao meu lado diz que a mulher nunca vai se igualar ao homem porque será sempre mais sensível, pergunto se os homens fazem algo que exija mais força que parir uma criança e ele dorme pelo resto da estrada.

terça-feira, 13 de junho de 2017

sábado, 1 de abril de 2017

terça-feira, 28 de março de 2017

Desafio

Eu estava sentada no sofá
no meio da rua
em uma ladeira
da cidade onde nasci
e não tinha problema
muita coisa tinha mudado
nenhum carro iria tirar aquela paz
nem o sol
porque o calor já era constante em meus pensamentos
pernas cruzadas
eu já não era aquela criança que subia assustada com o troco
mas tinha a calma
de quem come uma marmita em meio ao caos
porque já tinha encontrado o amor
e ele era como aquela pinça ou aquela moeda
escondidos nos vãos do sofá
junto com a sujeira

que ficarão ali para sempre.