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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Sopra a poeira 
deste móvel 
antigo 
e frágil 
em pé 
por insistência 
as palavras estão neste equilibro 
improvável  
nas curvas 
desenhadas
por cupins 
as palavras estão no vazio
da imagem de quem não pode mais olhar 
para o espelho  
desta teimosa penteadeira
 
quem hoje senta 
para escovar os cabelos?
  




domingo, 11 de novembro de 2018

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Angela Davis, em Mulheres, raça e classe (2016) nos relata algumas histórias de resistência das mulheres escravizadas. Uma delas é narrada pela abolicionista Sarah Grimké, sobre uma mulher que sofreu muito por rejeitar a opressão de seu senhor, o que lhe rendeu muitos açoitamentos. Ela era costureira e na casa onde vivia, de uma família considerada caridosa e cristã e a autora descreve a cena de suas costas laceradas, boca mutilada e colar de ferro para evitar nova tentativa de fuga, segundo a autora, não inspirava sentimentos de compaixão.


Resistir

Ela sentada
costurando.
Uma mulher 
costurando.
Uma mulher 
negra
costureira
escravizada
sentada
costurando.
Costurando
e resistindo.
Por suas fugas
em seu pescoço  
um pesado colar de ferro
para lhe prender ao presente
e ao futuro.

Ela sentada
costurando
naquela casa
suas costas dilaceradas
seu colar de ferro
era tão normal 
como hoje é normal 
ela dançando 
trabalhando 
lavando
passando
sofrendo
estudando
chorando
amando
respirando
sentindo
escrevendo
jogando
gritando
cantando
gozando
rindo.

Ela sentada
costurando
naquela casa
com um colar de ferro
era tão normal 
como hoje é normal
um olhar enviesado
uma piada
um soco na cara
dois socos na cara
uma morte com mil socos na cara
uma arma
sua arma
todas as armas. 

Ela sentada costurando
era tão normal
como hoje é normal
alguém dizer que não tem culpa
porque não colocou aquele colar em ninguém
e isso na verdade nem foi por aqui
será mesmo que esta história existiu? 

Ela sentada 
costurando
com um colar de ferro
sua boca deformada
quais seriam suas palavras?
era tão normal 
como hoje é normal 
ela sofrendo 
apanhando 
chorando
calando
sonhando
delirando
queimando
querendo

precisando

de um ar

sufocada 

por este colar 

de ferro

(in)visível. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Bolo de sopapo

Em uma carta 
Casaldáliga ensina
que bolo de sopapo era regalia
bolo de farinha
com café 
depois que passa o primeiro
passa uma água bem rala
para todos os filhos
para sustentar todos os dias
de trabalho
para derrubar as florestas
você sabe onde fica o centro-oeste?
hoje são hectares de pasto
árvores destruídas
depois de um café bem ralo.

Café com isca
-alguma comida-
somente em dias de fartura
o café tão fraco
que dá pra ver além dele
toda a vida sertaneja
e as mortes
no rio Araguaia
milhares de corpos
sem nomes.

Você já chorou por alguém sem nome?

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Quando chovia
colocavam uma toalha
em frente ao espelho,
pois a fragilidade das pessoas
deveria ser escondida dos raios.
A lembrança das tempestades
se transformava então
na recordação
das cores dos tecidos
que ocultavam a realidade
restando apenas
o imaginário
da força
das águas.

domingo, 13 de maio de 2018

O banheiro era uma fossa no quintal e se você fosse por lá de noite com uma vela acesa milhares de baratas apareciam buscando esta luz. Como conversar com tantas ao mesmo tempo? Um turbilhão no pensamento entre o desespero desta vida sem rumo. Enormes baratas com suas antenas gigantes e seus pensamentos totalmente descontrolados, o calor, a escuridão e esta luz amarela sem piedade; um banquete Clarice, um banquete e um discurso para a vida inteira.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Movimento

O cabelo grudado no pescoço
o calor
cola também a roupa no corpo

na feira
uma mulher prende o cabelo
a presilha cai
pequeno susto
de quem olha
escondido
e sente
um cheiro
forte
o pastel não seria tão bom
sem o sol derretendo tudo
o calor da gordura fervendo
os lábios na massa fina
o amor
uma sensação de beijar o sol
sem encostar
a língua

no corpo

quase tudo seco
só um ponto
de alagamento.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Chama

chama de puta
chama!
chama biscate
chama!
chama!
chama de quenga
chama!
chama de vadia
chama!
chama de cachorra
chama!
chama de fácil
chama!
chama de prostituta
chama!
chama de alcoviteira
chama!
chama de rameira
chama!
chama piriguete
chama!
chama de vaca
chama!
...
devassa
promíscua
meretriz
oferecida
vagaba
à toa
galinha
piranha
espevitada
putinha
chama!

e queime
totalmente 
neste fogo
porque o desejo
é nosso!


quarta-feira, 11 de abril de 2018

Feche as pernas
e não desfruta
fruta
madura
cheiro
meio
des
fruta.
Se trocar
por disfrutar
pode abrir
sempre
que quiser
e gozar.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Risco um fósforo
e se conseguir queimar
todo o palito
um desejo
é ofertado pela brasa
dedos ágeis,
pois geralmente
está em jogo
um amor
que precisa queimar
até o final
há um filme
em que a personagem
come os fósforos
fico imaginando
o sabor
dos palitos
quando o jogo
realmente
termina
já não adianta
insistir
em chamar
chama
quase sussurra
as fagulhas sempre desafiam
uma história
escrita
na brevidade
que dança

sem saber o motivo.