Angela Davis, em Mulheres, raça e classe (2016) nos relata algumas histórias de resistência das mulheres escravizadas. Uma delas é narrada pela abolicionista Sarah Grimké, sobre uma mulher que sofreu muito por rejeitar a opressão de seu senhor, o que lhe rendeu muitos açoitamentos. Ela era costureira e na casa onde vivia, de uma família considerada caridosa e cristã e a autora descreve a cena de suas costas laceradas, boca mutilada e colar de ferro para evitar nova tentativa de fuga, segundo a autora, não inspirava sentimentos de compaixão.
Resistir
Ela sentada
costurando.
Uma mulher
costurando.
Uma mulher
negra
costureira
escravizada
sentada
costurando.
Costurando
e resistindo.
Por suas fugas
em seu pescoço
um pesado colar de ferro
para lhe prender ao presente
e ao futuro.
Ela sentada
costurando
naquela casa
suas costas dilaceradas
seu colar de ferro
era tão normal
como hoje é normal
ela dançando
trabalhando
lavando
passando
sofrendo
estudando
chorando
amando
respirando
sentindo
escrevendo
jogando
gritando
cantando
gozando
rindo.
Ela sentada
costurando
naquela casa
com um colar de ferro
era tão normal
como hoje é normal
um olhar enviesado
uma piada
um soco na cara
dois socos na cara
uma morte com mil socos na cara
uma arma
sua arma
todas as armas.
Ela sentada costurando
era tão normal
como hoje é normal
alguém dizer que não tem culpa
porque não colocou aquele colar em ninguém
e isso na verdade nem foi por aqui
será mesmo que esta história existiu?
Ela sentada
costurando
com um colar de ferro
sua boca deformada
quais seriam suas palavras?
era tão normal
como hoje é normal
ela sofrendo
apanhando
chorando
calando
sonhando
delirando
queimando
querendo
precisando
de um ar
sufocada
por este colar
de ferro
(in)visível.