Pesquisar este blog

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Angela Davis, em Mulheres, raça e classe (2016) nos relata algumas histórias de resistência das mulheres escravizadas. Uma delas é narrada pela abolicionista Sarah Grimké, sobre uma mulher que sofreu muito por rejeitar a opressão de seu senhor, o que lhe rendeu muitos açoitamentos. Ela era costureira e na casa onde vivia, de uma família considerada caridosa e cristã e a autora descreve a cena de suas costas laceradas, boca mutilada e colar de ferro para evitar nova tentativa de fuga, segundo a autora, não inspirava sentimentos de compaixão.


Resistir

Ela sentada
costurando.
Uma mulher 
costurando.
Uma mulher 
negra
costureira
escravizada
sentada
costurando.
Costurando
e resistindo.
Por suas fugas
em seu pescoço  
um pesado colar de ferro
para lhe prender ao presente
e ao futuro.

Ela sentada
costurando
naquela casa
suas costas dilaceradas
seu colar de ferro
era tão normal 
como hoje é normal 
ela dançando 
trabalhando 
lavando
passando
sofrendo
estudando
chorando
amando
respirando
sentindo
escrevendo
jogando
gritando
cantando
gozando
rindo.

Ela sentada
costurando
naquela casa
com um colar de ferro
era tão normal 
como hoje é normal
um olhar enviesado
uma piada
um soco na cara
dois socos na cara
uma morte com mil socos na cara
uma arma
sua arma
todas as armas. 

Ela sentada costurando
era tão normal
como hoje é normal
alguém dizer que não tem culpa
porque não colocou aquele colar em ninguém
e isso na verdade nem foi por aqui
será mesmo que esta história existiu? 

Ela sentada 
costurando
com um colar de ferro
sua boca deformada
quais seriam suas palavras?
era tão normal 
como hoje é normal 
ela sofrendo 
apanhando 
chorando
calando
sonhando
delirando
queimando
querendo

precisando

de um ar

sufocada 

por este colar 

de ferro

(in)visível. 

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Bolo de sopapo

Em uma carta 
Casaldáliga ensina
que bolo de sopapo era regalia
bolo de farinha
com café 
depois que passa o primeiro
passa uma água bem rala
para todos os filhos
para sustentar todos os dias
de trabalho
para derrubar as florestas
você sabe onde fica o centro-oeste?
hoje são hectares de pasto
árvores destruídas
depois de um café bem ralo.

Café com isca
-alguma comida-
somente em dias de fartura
o café tão fraco
que dá pra ver além dele
toda a vida sertaneja
e as mortes
no rio Araguaia
milhares de corpos
sem nomes.

Você já chorou por alguém sem nome?