Como voltar para esta casa se só restam os escombros?
A porta está escancarada e todos entraram
Pessoas perdidas golpearam os vidros
raivosos porque já não haviam os móveis
Somente eles e agora as paredes inertes
Os meninos entraram
Alguns correram após os cortes
Certos casais não se importaram com a poeira
E encheram os corpos de cacos ao se entrelaçarem pelo chão frio
Alguns cachorros farejaram certa nostalgia
Entraram grilos, sapos, aranhas tecendo o tempo
Telhas no chão
amedrontadas
Plantas daninhas por toda a parte
Plantas fortes por entre os cacos
Como voltar para casa depois de tantas invasões?
Entraram pelas portas
Pela janela
E por uma fenda na parede
Entraram e fumaram
Entraram e treparam
Entraram e brocharam
Entraram e cuspiram
Entraram e ficaram
os sentimentos descascados nas paredes
Se talvez eu entrar
Como conseguirei dormir com os raios do sol penetrando pela
noite?
Como conseguirei dormir sem passar as chaves nas portas
inexistentes?
Se voltar para esta casa as raízes daquelas plantas daninhas
irão me cobrir enquanto durmo
E de manhã quando quiser sair para comprar pão ou pensar nos
erros
Tropeçarei entre os cacos
E não saberei sair
Dentre tantas portas escancaradas ficarei lá dentro sem
saber escolher
E quando um bêbado entrar
Não me distinguirá entre os escombros
Mas estarei ali sentindo
A ruína da casa
E meu pensamento será poeira
E talvez me arrependerei de ter entrado novamente...
Como voltar para casa quando sei que ela já não serve?
Como voltar se não há armários para guardar todos os meus
desejos?
Como voltar quando a chuva molha os ossos
E não há gatos no telhado
Somente reflexos de gritos na minha mente?
Como voltar para esta casa quando o tempo destrói a alma e a
transfigura em uma ideia de abrigo?